Dois gigantes do mundo da tecnologia, Google e Apple, podem em breve estar envolvidos em combate direto, celular contra celular. O Google planeja lançar um smartphone próprio no começo do ano que vem, segundo funcionários da empresa, e a decisão poderia desafiar o domínio da Apple em uma das tecnologias de mais rápido crescimento e mais importantes das últimas décadas.
O novo celular Android do Google, equipado com tela de toque, foi distribuído a muitos funcionários da empresa para teste na semana passada, e pode alterar os fundamentos do mercado de celulares dos Estados Unidos, no qual a maioria dos celulares opera apenas na rede da operadora de telefonia móvel que venda o aparelho. A empresa, utilizando o poder de sua marca, planeja comercializar e vender o novo aparelho diretamente aos consumidores, via internet, e os compradores poderiam assinar com qualquer operadora, dizem funcionários do Google.
O lançamento de um celular Google, fabricado por uma empresa asiática de acordo com as especificações de hardware e software do gigante do mercado de buscas, seria uma empreitada importante e arriscada para a empresa. Até o momento, ela se limitou a desenvolver software que aciona celulares, construídos e comercializados por parceiros, e em geral evitou se envolver na venda de hardware.
A aparente mudança sublinha o fato de que os celulares estão rapidamente se tornando o maior campo de batalha tecnológico do futuro, e que os consumidores dependem cada vez mais de seus celulares para navegar na internet e realizar outras tarefas de computação. Também indica que o Google está determinado a deixar sua marca em mais um setor, como o fez anteriormente na publicidade, livros e vídeos online.
Mas os analistas afirmam não estar claro que o sucesso do Google na internet possa se estender ao projeto, marketing e distribuição de hardware. Muitas empresas tentaram transição semelhante e tropeçaram. A Microsoft tornou o Xbox um sucesso, mas quando deixou de lado seus parceiros no setor de música e lançou um player próprio, o Zune, não conseguiu ganhar terreno diante do Apple iPod.
O sucesso do celular pode depender do preço de venda que o Google escolha. A maioria dos americanos adquire celulares subsidiados pelas operadoras de telefonia móvel, que recuperam os custos iniciais assim incorridos por meio de contratos compulsórios de longa duração. Os iPhones, oferecidos ao consumidor por US$ 199, na verdade custam US$ 550 à AT&T, de acordo com analistas.
Katie Watson, porta-voz do Google, se recusou a comentar sobre os planos da empresa. Ela pediu que os repórteres lessem um post publicado sábado no blog da empresa, no qual a companhia informa que o novo aparelho é um "laboratório móvel" que permitiria aos funcionários testar novas tecnologias. Funcionários da empresa, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados porque o celular é supostamente confidencial, disseram que o aparelho, fabricado pela HTC, de Taiwan, é mais fino que o iPhone, e oferece tela de toque um pouco maior. O modelo pode chegar ao mercado já em janeiro, afirmaram.
Os funcionários disseram que ele seria vendido desbloqueado, o que significaria que os consumidores poderiam escolher uma operadora, e que empregaria tecnologia GSM, utilizada nos Estados Unidos pela T-Mobile e AT&T, e pela maioria das operadores de telefonia móvel no resto do mundo. O modelo leva o nome Nexus One, de acordo com reportagens e com dados sobre o acesso dos aparelhos a sites de web.
O Google vinha insistindo há muito em que não tinha interesse na fabricação e venda de celulares, afirmando que preferia depender de parceiros de hardware e operadoras de telefonia móvel para comercializar ampla variedade de celulares acionados pelo Android, o seu sistema operacional gratuito. Em outubro, Andy Rubin, vice-presidente de engenharia da divisão Android, descartou a ideia de que a empresa "concorreria com seus clientes" por meio de um celular próprio, de acordo com o serviço de notícias tecnológicas Cnet.
Os analistas afirmam que a aparente mudança sinaliza o reconhecimento, pelos executivos da empresa de que o Google precisa controlar de forma mais direta o seu destino no mundo da comunicação sem fio. "Eles perceberam a telefonia móvel como a próxima grande oportunidade", disse Jeffrey Lindsay, analista da Sanford Bernstein. "O risco de tentar promover uma estratégia própria por meio de parceiros é grave demais. Eles querem mais influência e mais controle".
Além disso, os analistas afirmam que o iPhone, a despeito de oferecer com destaque alguns serviços do Google, causa nervosismo a este. "Eles não querem que o acesso ao Google seja controlado ou influenciado por um rival como a Apple", disse Ben Schachter, analista do grupo de pesquisa Broadpoint AmTech.
O Google quer que mais pessoas usem celulares que facilitem o acesso à web, em parte porque confia no crescimento da publicidade vinculada a buscas, que começa a desacelerar nos computadores. Nos celulares, porém, o uso do serviço de buscas móveis do Google cresceu 30% em seis meses, este ano, disse Schachter. "É um grande crescimento, e a maioria dele provém do iPhone", disse. "Por conta disso, a Apple ganha muita influência sobre o comportamento dos usuários".
Até recentemente, Google e Apple eram vistos como aliados estreitos, na mira contra um inimigo comum: a Microsoft. Eric Schmidt, presidente-executivo e do conselho do Google, e Arthur Levinson, antigo presidente-executivo da Genentech, eram membros dos conselhos de ambas as empresas. Mas a ascensão dos celulares terminou por afastar os dois aliados. Mais de um ano atrás, Schmidt começou a se abster de participação nas reuniões de conselho da Apple que tratassem do iPhone.
Google e Apple concorrem em outras áreas, como a distribuição online de música e vídeo, navegadores de web e, em breve, sistemas operacionais para computadores. Mas é nos celulares que as duas empresas parecem disputar terreno com mais agressividade.
Nas últimas semanas, o Google revelou diversos serviços de ponta para celulares equipados com o Android, entre os quais um aplicativo distribuído gratuitamente que oferece instruções detalhadas sobre como chegar a um endereço. Um aplicativo comparável para o iPhone, produzido pela TomTom, custa US$ 99. "A Apple enfim encontrou um concorrente digno", disse Ashok Kumar, analista da Northeast Securities que dois meses atrás previu que o Google desenvolveria e comercializaria um celular com sua marca. Natalie Kerris, porta-voz da Apple, se recusou a comentar sobre os planos do Google.
Os analistas dizem que o plano do Google é arriscado, especialmente porque pode alienar os parceiros da empresa no uso do Android. Eles lançaram diversos celulares equipados com esse sistema operacional nos últimos meses, entre os quais o Motorola Droid, um aparelho muito poderoso e muito elogiado pelos comentaristas. Mas o iPhone continua a superar os celulares Android em termos de vendas, e também é o celular preferencial para dezenas de milhares de programadores que criam aplicativos para telefonia móvel.
Os analistas afirmam que o Google talvez acredite que só o envolvimento direto da empresa poderia fazer do Android um concorrente forte para o iPhone, por enquanto disponível apenas pela AT&T, nos Estados Unidos. Essa exclusividade deve caducar no ano que vem, caso o acordo não seja renovado. Não se sabe se o Google formaria alianças com operadoras a fim de vender assinaturas para o celular, ou se subsidiaria os aparelhos e tentaria recuperar o dinheiro assim investido por meio dos proventos auferidos com a publicidade em redes móveis.
"Se não houver subsídio, suspeito que o impacto será pequeno", disse Charles Golvin, analista de comunicação sem fio na Forrester Research. Golvin disse que a Nokia havia tentado vender celulares de alto preço em subsídios, nos Estados Unidos, sem grande sucesso. "Caso optem por vendê-los subsidiados, o impacto poderia ser muito, muito significativo", disse. Os analistas também acreditam que a jogada do Google pode ter por alvo os importantes mercados internacionais, onde celulares desbloqueados e não subsidiados tendem a ser a norma.
Kumar disse que embora os planos do Google possam incomodar as operadoras, a empresa saberia como aplacá-las e continuar trabalhando com elas. "Desde que o Google ofereça uma plataforma com qual as operadoras possam lucrar, elas participarão alegremente", afirmou. "O Google pode dividir os lucros de publicidade com as operadoras". Muito dependerá, claro, da qualidade e dos atrativos do aparelhos. Algumas das pessoas que o viram estão elogiando muito o modelo. Uma delas afirmou no Twitter que "ele é muito sexy".
Tradução: Paulo Migliacci ME
English Version: Developing Its Own Phone, Google Is Taking On Apple
Informações por Miguel Helft - The New York Times / Terra BR